Por que vocês usam a caixa de luz? Porque nossa escola tem um “Estilo Reggio Emilia”.

Na parte de histórias e artes, seguimos a proposta Waldorf.

Fazemos atividades individuais, bem estilo Montessori.

Usamos os cantinhos de Freinet, adaptados.

Nós usamos a abordagem Pikler, os bebês comem sozinhos.

Agora seguimos o BNCC então, vamos mudar todo o planejamento.

Você já deve ter ouvido uma frase dessa pelo menos uma vez. Eu já ouvi essas e poderia escrever muitas páginas com outras que ouço de educadores, gestores e até pais quando explicam as propostas ou o tipo de abordagem das instituições educacionais.

Porém, na maioria das vezes, quando faço perguntas mais específicas sobre os caminhos que fizeram essas instituições escolherem propostas baseadas em determinadas abordagens, percebo que existe um obstáculo: Um obstáculo constituído de um conhecimento que resiste a um novo conhecimento. (Cientificamente chamado de obstáculo epistemológico).

Uso a caixa de luz como uma atividade Reggio Emília, mas não sei como funciona a sombra natural; não relaciono sombra a nenhum fenômeno natural como a passagem do tempo, as estações do ano ou a posição dos objetos em relação à luz. Sendo assim, não consigo identificar as perguntas das crianças e também não consigo seguir as pesquisas que realizam. Apenas escrevo documentações (e às vezes lindas e românticas documentações) que dão adjetivos às ações das crianças baseadas em coisas que li ou ouvi sobre o que é experimentar a luz e sombra.

Em relação à Abordagem Pikler, recém-chegada a um patamar de divulgação em larga escala, o mesmo começa a acontecer.

Deixamos os bebês comerem sozinhos para “estimular a autonomia “, mesmo que o bebê não tenha equilíbrio para usar a colher. Colocamos o bebê no chão aos 4 meses para que ele possa se movimentar, mesmo que o bebê seja recém chegado em uma instituição e esteja inconsolável e assustado. Temos a mobília Pikleriana, mas não sabemos como, quando e em que momento usá-la. Não conhecemos nada sobre reorganização postural ou trilhos anatômicos. Não sabemos sobre a relação entre movimento, pensamento e emoção.

A questão é que há um obstáculo, e esse obstáculo, se dá exatamente no uso de um saber que se coloca como limitação para outros. Quando nos conformamos em fazer algo descrito na literatura como “algo de impacto para o desenvolvimento das crianças” estamos bem intencionados, porém, muitas vezes nos impedimos de ao menos nos conectar com as três características principais de diferentes abordagens: Contextos, Princípios e Observação.

A professora Dra. Sylvia Nabinguer foi a primeira pessoa que me abriu os olhos para a diferença entre o uso de uma abordagem e a prática de uma abordagem. Quando usamos uma abordagem a aplicamos como uma nova forma de fazer e nos conectarmos exatamente com a “forma” (ter móveis Pikler, fazer documentações, usar caixa de luz ou deixar comer sozinho).

“Em outro caminho, podemos praticar uma abordagem, considerando sim as formas de fazer, porém, não perdendo de vista o fato de que cada abordagem nasce em um CONTEXTO social, cultural, e de descobertas científicas.”

Sendo assim, o que dessa forma de fazer pode ser viável para a prática dentro de nossos contextos? Ou melhor, quando faço dessa forma, como os bebês e as crianças pequenas respondem? E o que estas respostas significam? Essas respostas aparecem com diferenças de uma criança para outra ou de um bebê para outro? Como os estudos de várias áreas de pesquisa podem me ajudar a compreender as respostas individuais e dos grupos a estas formas de fazer?

Pensando no exemplo da mobília Pikler poderíamos criar conteúdos pensando: Como bebês e crianças criam esquemas de ação a partir dos móveis pikler? Esses esquemas de ação desenvolvem que habilidades que não considerava? Como esses móveis colaboram para a reorganização autônoma de sistemas de equilíbrio? Que tipo de documentação comunica melhor às famílias os caminhos de desenvolvimento individual? Quais os sinais do bebê nos revelam que é possível alimentar-se de maneira autônoma?

[youtube]https://youtu.be/AkZZqw5gpTw[/youtube]

Questionar nos faria ascender para além da forma e produzir com bebês e crianças, novos “conteúdos”. Ou seja, a forma de fazer inspirada em uma abordagem nos levaria a compreender melhor cada criança e também os adultos que cuidam dela.

“Todas as abordagens e pedagogias têm PRINCÍPIOS claros, e todas as práticas dentro de uma abordagem se baseiam nestes princípios.”

Os princípios nos ajudam a analisar constantemente nossas ações. Uma educadora Pikleriana não deixaria um bebê que não possui equilíbrio tentar se alimentar sozinho. Isso por que um dos princípios Piklerianos é a Boa Imagem de Si. Um bebê que está com fome, tenta se alimentar e por falta de equilíbrio deixa a maior parte de o alimento cair se frustra repetidas vezes, o que não contribui para essa boa imagem de si. Se ele recebe o alimento da mão da educadora. pode ser autônomo indo com a boca até a colher, mastigando e engolindo, dando sinais de satisfação ou de recusa.

Um educador Pikleriano sabe que a autonomia é progressiva, e que, apenas à partir da interação e observação, poderá compreender o momento adequado para entregar a colher para o bebê.

Todas as abordagens se fundamentam em diversas áreas de conhecimento a partir de OBSERVAÇÃO.

Emmi Pikler, Maria Montessori, Lóriz Malaguzzi não inventaram abordagens.

Suas práticas se fundamentam em OBSERVAÇÕES, mas não em um tipo de observação qualquer. Eram observações com protocolos definidos para as quais se poderiam dar um tratamento qualitativo ou quantitativo. Para criar suas hipóteses sobre desenvolvimento motor Emmi Pikler observava crianças, mas também fazia estudos sobre diferentes tabelas de desenvolvimento motor, sobre modelos diferentes de observação utilizados em diferentes áreas das ciências. A observação lhe ajudava a refinar e escolher quais instrumentos era de valia para os princípios que ela havia estabelecido e para o contexto em que estava inserida. Isso significa quebrar obstáculos epistemológicos. Isso significa acolher conhecimentos para expandir possibilidades.

Que instrumentos de observação uso? O que estes instrumentos documentam? O que esses instrumentos comunicam? O que posso saber de cada criança a partir deles?

Penso que no contexto em que vivemos, onde conhecimento se torna manual e produto de uso, é urgente que cada um de nós nos esforcemos para que nossas práticas não sejam rótulos. Precisamos compreender que o questionamento, a dúvida, aprofundamento, as pesquisas, as incertezas, os diálogos e especialmente os PRINCÍPIOS precisam estar presentes quando queremos acolher a maneira de conhecer o mundo, que são próprias das crianças, mas, também, como diz a professora Sylvia Nabinguer, quando queremos praticar:

Uma maneira consciente, consistente, coerente e afetuosa de entregar o Mundo a elas.

Leila Oliveira
Costa 
Mestre em Educação
Especialista em Educação de 0 a 3 anos.

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