Em tempo de máximas pedagógicas que enaltecem o protagonismo infantil, é comum percebermos os professores inseguros quanto às suas práticas de planejamento: se o protagonismo é da criança, eu devo ou não devo planejar as aulas? Se eu planejar, não estarei tirando dela a iniciativa e a autonomia esperadas em tal protagonismo? Aqui se abre um enorme campo para reflexões e diálogos.
Abordaremos aqui, de forma breve, três aspectos de um planejamento orientado por esta forma de conceber as relações entre educador e crianças pequenas:
• Sobre a legitimidade do ato de planejar;
• Sobre a forma do planejamento;
• Sobre sua função enquanto guia da ação.
Quando Loris Malaguzzi entrega como legado, após longos anos de trabalho com crianças pequenas na cidade de Reggio Emilia, uma pedagogia da escuta, ele nos alerta para a necessidade de estarmos atentos às diversas linguagens com as quais as crianças procuram conhecer e compreender elementos do seu entorno, ao mesmo tempo que, também por meio destas tantas linguagens, procuram nos comunicar suas percepções, suas ideais, suas teorias sobre como as coisas funcionam. Uma educação pautada pelo protagonismo infantil, valoriza o que as crianças pensam sobre o mundo que as cercam.
Para o professor saber sobre isso, sobre o que tantas crianças pequenas de uma classe sabem e pensam sobre as coisas, é preciso atuar de uma forma que não seja nem espontaneìsta, nem ingênua. Há que aguçar sua percepção sobre as expressões das crianças em linguagens ainda rudimentarmente constituídas: as crianças pequenas ainda não falam completamente, ainda não desenham nitidamente, ainda não manuseiam objetos com destreza, não dançam e não se deslocam no espaço com perfeito domínio. São linguagens em desenvolvimento, são rudimentos de algo que um dia será um sistema completo. E porque ainda não é, exige do professor uma atenção, uma percepção, uma perspicácia e uma agilidade pedagógica considerável. Ouvir, escutar o que diz/faz/comunica a criança pequena exige que o professor coloque em pauta vários saberes de sua profissão. Envolve escolhas do tipo: que materiais melhor motivarão as crianças? Quais propostas podem melhor ajudá-las a interagir com determinado objeto da cultura? Como o ambiente deve ser organizado para que elas possam se expressar o mais livremente possível? Quais recursos permitem perceber melhor o que dizem os pequenos? Quais conhecimentos enriquecerão a vida social e individual destas crianças?
Ao refletir sobre estas questões vão surgindo caminhos possíveis de serem percorridos. Eis o que chamamos planejamento. No entanto, alguns educadores ainda têm dificuldade de perceber o quanto este material é valioso, de modo que não o registram. Não registrar estas ideias é como não fotografar uma bela paisagem. Ao registrar estes caminhos que se anunciam, é possível voltar a ele e aprofundá-lo, chegando a prever minúcias que podem fazer muita diferença na hora da realização.
Assim é que nos parece legítima a ação de planejar como criação de possibilidades para o protagonismo da criança. Não há contradição, desde que o mote do planejamento tenha sido o de criar situações para melhor escutar a criança, criar ambientes para favorecer a expressão e a interação da criança com a sua cultura.
A Base Nacional Curricular Comum, a BNCC, destaca a importância de os professores conduzirem as crianças por campos de experiências, onde elas possam vivenciar de forma lúdica, os fundamentos do conhecimento atual: o eu, o outro e o nós; o corpo, os gestos e os movimentos; os traços, os sons, as cores e as formas; a escuta, a fala, o pensamento e a imaginação; os espaços, os tempos, as quantidades, as relações e as transformações. O BNCC também reitera o direito da criança brincar, conviver, participar, explorar, expressar e conhecer-se. Fazer esta condução exige prever providências, exige planejar.
Quanto ao formato que o planejamento pode tomar, é importante reconhecermos aí o protagonismo do professor. Também ele precisa ser protagonista, mas do seu fazer, da sua docência. Ser protagonista é usar de seu conhecimento para resolver as questões que se apresentam no percurso educativo: seja para escolher os melhores caminhos, seja para definir estratégias, seja para guiar a lente sobre o que dizem e fazem as crianças, seja para expressar a arquitetura da sua ação.
Há professores que adoram tabelas e por meio delas conseguem expressar suas ideais, por meio delas se encontram consigo mesmos e com suas intenções. Há professores que amam as narrativas e seu planejamento assumirá uma forma mais literária ou mais discursiva. Outros professores adoram gráficos e suas ideias fluem em formato de círculos, linhas e retângulos que se interligam. Há professores que rabiscam e seu planejamento assim se parecerá. O que importa é que se estes diversos modos de planejar derem conta de expressar o que os professores pretendem, se derem conta de orientá-los como um mapa no percurso que farão, então, cremos estes são bons planejamentos.
Para finalizar, cabe-nos dizer que um plano é só um plano. Nada mais. O que vamos viver neste coletivo, crianças e educadores, vai depender de como concebemos o aprender na infância. Se entendemos a criança como protagonista da sua aprendizagem e o professor como protagonista do seu mister, o cotidiano pedagógico será construído a partir de uma relação de reciprocidade, onde os professores ouvem suas crianças, planejam um ambiente favorável às suas aprendizagens, escolhe materiais, cria contextos, aproxima do lúdico elementos do conhecimento mais elaborado e em seguida se torna ouvidos de novo, para perceber o que dizem todas as linguagens das crianças, seus corpos, seus movimentos, suas narrativas, suas expressões faciais, seus sentimentos expressos no olhos, na atenção, na curiosidade. Então, o plano será um guia que orienta o caminho do educador, mas que dia-a-dia será revisado pelas crianças, que manifestam, que preferem, que questionam, que inventam, que gostam, que desafiam, que desconhecem, indicando novos modos de caminhar.
Marilene Negrini
Coordenadora Pedagógica
ECE Itapevi