A discussão sobre documentação pedagógica tem ganhado evidência em virtude das publicações e encontros promovidos por pedagogistas da cidade de Reggio Emília, na Itália.
Como tema em franco estudo, várias são as interpretações que se tem feito, sempre buscando referências nas vivências que temos em nosso cotidiano. Perguntamo-nos qual relação há entre a documentação pedagógica e os conceitos que discutimos há algum tempo, como avaliação, registro, observação, relatório, trajetórias de aprendizagem? Às vezes, queremos encaixar práticas conhecidas em novos vocábulos. Isso quase nunca dá certo. Creio que o convite é para realizarmos algo mais ousado que isto.
Para refletirmos sobre este tema, é de fundamental importância envolvermos os professores. É o olhar e a escuta dos educadores, suas expectativas, suas intuições e, sobretudo, a experiencia construída, que compõem a matéria prima para coordenadores e formadores em serviço provocarem reflexões.
Alguns professores perguntam: “o que eu teria de novo para falar sobre as crianças, além do que já falo nos instrumentos de avaliação que utilizo?”. A resposta a esta pergunta precisa ser construída por meio da reflexão coletiva dos educadores.
Para Madalena Tedeschi, a documentação pedagógica constitui a objetivação da tensão entre as expectativas de aprendizagens que os adultos têm das crianças e as expressões delas, produzidas a partir da interação com o objeto em conhecimento.
A documentação pedagógica em Reggio Emília se estrutura sobre três princípios:
- A reciprocidade, o olhar ético que procura sintetizar a visão do adulto e da criança. As imagens, gravações, narrativas, reproduções, sob este princípio, são feitas a partir do acordo e de uma relação de confiança entre adulto e criança. Diz Madalena: “não podemos roubar imagens das crianças”, “elas precisam saber que estão sendo fotografadas e para quê”. Madalena defende que, além disto as crianças precisam dialogar com as imagens e materiais produzidos, porque têm direito a se refazer a partir do que foi registrado, como um “direito de réplica”;
- A construção de um acordo em torno de uma meta. Adultos precisam garantir que as crianças estão conscientes de que fazem parte de um processo, de que atuam como sujeitos ativos, com corresponsabilidades sobre as decisões do processo.
- A construção de uma experiência de vida e não apenas uma experiência didática. Esta experiência de vida da criança compreende a brincadeira, a aprendizagem, e o respeito aos seus tempos próprios e necessários.
A partir destes princípios, a pedagogista italiana apresenta a documentação como um registro vivo de uma construção de significados compartilhados. Não é um processo que “recorta” coisas, imagens, falas; ou, como alerta Madalena: “não é um ato de violência” que atribui sobre as produções das crianças um uso exclusivo do adulto. Com certeza, o adulto tem uma grande responsabilidade: é ele quem determina as formas de comunicação no trabalho educativo, tanto que é visível a diferença de percurso quando se propõe uma mesma experiência a diferentes professores. Esta diversidade de olhares, de narrativas, de interpretações, dá origem a uma amplitude expressiva valiosa. Assim é que a documentação é o “testemunho de um processo comunicativo de relações humanas, de sujeitos ativos, recheado de impressões pessoais”.
A documentação devolve a marca pessoal que cada um coloca em campo. Nasce do acordo entre crianças e adultos, permite o retrabalho e revisão de documentação antiga.
Hoje, na UNIEPRE, estamos tecendo reflexões sobre documentação, buscando apurar o olhar para encontrar pequenos núcleos de aprendizagem. Tentar desviar o olhar da dimensão mais panorâmica para uma mirada miúda, no entanto, consistente, que revele as coerências entre pequenos atos das crianças, suas narrativas, suas produções, suas hipóteses e habilidades, em torno de uma aprendizagem que esteja sendo construída por elas, é muito desafiador.
Pensar em documentação neste momento está demandando um desafio duplo: olhar e encontrar o cerne das aprendizagens e, por outro lado, experimentar-se em diferentes formas de comunicar o que os olhos encontram. Temos claro que o caminho é longo.
Informações complementares:
Visibilidade ao Invisível: Projeto do Berçário I, crianças com idades entre 4 e 14 meses.
Arte e Vida: Projeto do Berçário II, crianças com idades entre 15 e 24 meses.
Brincando com a Matemática: Projeto do Infantil A, crianças com idades entre 25 e 36 meses
Com um Outro Olhar: Projeto do Infantil B, crianças com idades entre 37 e 48 meses
Ambiente – um Lugar para Todos: Projeto do Infantil C, crianças com idades entre 48 e 71 meses
Por: Marilene Negrini
Coordenadora Pedagógica
Espaço Criança Eurofarma Itapevi & UNIEPRE